Page 9 - as margens dos mares
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Gosto pela experimentação

O projeto As Margens dos Mares celebra o encontro entre culturas e linguagens, entre
as artes visuais e a música. E se a exposição de obras de arte de natureza variada anda
ao lado de apresentações musicais constituídas pelo compartilhamento de tradições
musicais, instrumentos e timbres de procedências distintas, isso se dá pela vontade de
sublinhar o intenso e fértil intercâmbio que, desde o princípio do século XX, estabeleceu-se
entre música e artes visuais. As artes visuais, sobretudo a partir do período moderno,
invejaram a liberdade da música, sua indiferença ao compromisso de representar o
mundo. Uma das provas foi a correspondência entre o pintor russo Wassily Kandinsky,
o introdutor da arte abstrata, e o compositor austríaco Arnold Schoenberg, mestre do
dodecafonismo, responsável pela crise do sistema tonal
As lições do músico John Cage sobre a compreensão do ruído e da incorporação do
som ambiental como matéria-prima musical prosseguiram e ampliaram a troca entre
os territórios da música e das artes visuais. Nesse sentido, a invenção do happening,
modalidade de produto artístico multidisciplinar que sacudiu o começo da década de
1950, obra de Cage, do coreógrafo Merce Cunningham e do artista plástico Robert
Rauschenberg, catalisou decisivamente o processo de reinvenção das artes através da
interpenetração de suas fronteiras.
A mostra de artes visuais proposta por As Margens dos Mares deve-se, em última análise,
à ação decisiva da música no âmbito da produção artística como um todo. À inclusão do
ambiente na esfera musical, correspondeu o desejo de a pintura projetar-se no espaço, a
escultura transformar-se em estruturas penetráveis e, em vários casos, como acontece
na nossa exposição, combinando elementos provenientes de linguagens distintas,
como o cinema, a fotografia, o desenho, o objeto. Realizar esta exposição reveste-se,
pois, de um significado especial: celebrar um tempo que fomenta o entrelaçamento de
linguagens; explorar essa possibilidade através de obras e artistas que momentaneamente
abandonam as margens das comunidades às quais pertencem para se encontrarem
diante de nós, público brasileiro.

                                                                                            Agnaldo Farias
                                                                                                     Curador

                                                                                                                                                               9
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